terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Eles não usam Black Tie

(Lucas 14:12-14) ²Disse também ao que o havia convidado: Quando deres o jantar ou ceia, não convide os teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem vizinhos ricos; para não suceder que eles, por sua vez, te convidem e sejas recompensado. Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que recompensar-te; a tua recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição dos justos.²


Nossa cultura moderna atribui ao conceito educação não somente o alcance de certo grau de escolaridade, é também necessário aprender a vestir-se de acordo com a hora e lugar, sentar-se de tal e qual maneira, não arranhar a língua mãe e  mastigar com a abertura da boca até certa medida.
Qualquer desvio do script cultural coloca o “herege” num purgatório social, que, discriminado por seus iguais é excomungado como ²persona non grata², justamente por causa das diferenças dos indiferentes.
Tais regras e etiquetas, geralmente impostas pelo mercado de consumo ou convenções humanas, aliena aqueles que não usam “black tie”, são barrados no baile e da vida dos que se julgam normais, experimentam a dor e a vergonha de se tornarem parias sociais.
Nas questões do reino de Deus também existem regras e etiquetas, só que de caráter espiritual. Jesus, o grande Anfitrião do Reino, recomenda aos seus súditos como as relações entre o seu povo e os “desiguais” devem estabelecer-se, ensina-os a partir da organização de uma simples refeição (Lucas 14: 12-14).
O primeiro critério se relaciona com a lista de convidados. Não se deve convidar amigos, parentes, irmãos ou vizinhos ricos, é o fator exclusão.
Eis o primeiro choque que diferencia a sociedade de Deus e a do mundo, os próximos e iguais são descartados de imediato, a quota deles foi esgotada pela desnecessidade.
A lógica da exclusão é simples, o convite contínuo aos “mesmos” alimenta uma troca recíproca e constante de retribuições, comportamento que, nós politicamente corretos, chamamos de educação. (Lucas 14: 12)
Tais atitudes transformam cada relação como uma grande sala de espelhos, cada movimento em direção ao outro é sempre dirigido para si mesmo - ²espelho, espelho meu, há alguém tão bom quanto eu?²
O segundo fator é o da inclusão. A nova lista tem um curriculum diferente do padrão, os pré-requisitos dos convidados parecem extraídos de um filme de terror, ou do clipe “Thriller” do Michael Jackson, são os pobres, aleijados, coxos e cegos.
Pela história de cada convidado é plausível conceber que nunca pisaram em um tapete persa, não sabem o que comer primeiro, de que lado fica o garfo ou a faca, ou ainda o que falar durante as refeições.
Eles são os indigentes e intocáveis, os sub-seres marginalizados pelo estado, família e talvez até pela Igreja. Além do estigma da pobreza carregam outros aleijões, mancam ao andar e não enxergam sem o auxilio de um terceiro.
Eis o segundo choque, saltar dos iguais para os “desiguais”, distanciar-se do “belo” para abraçar o “feio”. Esse é o nosso grande desafio, não gostamos do feio, somos todos narcisos por atacado. Nos apegamos ao belo porque inconscientemente lhe atribuímos a carência que nos falta, é o medo de não-ser mais pela ilusão da estética do espaço selecionado.
Para nós, na coreografia do ambiente, o feio se propaga, contamina o cenário pré-criado para encantar. ²Hoje a festa é sua, a festa é nossa, é de quem quiser e de quem vier², desde que não sejam feios. O passaporte é a beleza, do bolso, do corpo e do intelecto. Essa tal felicidade hollywoodiana dos tempos modernos, produto interno bruto da existência e caracterizada pelo somente pelo TER, é confrontada por Jesus.
Quando mudamos o nosso comportamento preconceituoso com os “desiguais”, surgem por conseqüência mudanças espirituais positivas, acontece a experiência da real felicidade.
O termo bem-aventurado citado por Jesus define o sentido dessa experiência. Era uma expressão utilizada na literatura da época e aplicada à felicidade paradisíaca;
Feliz é o que se desloca de si e sai ao encontro destes “seres” ainda despersonalizados. Estes “tu” (pobres, aleijados, coxos e cegos) são pessoas, mas ainda inconscientes, que só se descobrem pelo olhar de um ²eu² disposto a se desdobrar num ponto de encontro chamado vida.
Cada ato de amor e misericórdia para com aqueles que não usam “black Tie” é um investimento eterno, como se alguém enviasse “doc´s” espirituais para o céu. É no mármore na história que são plantadas as sementes da eternidade.
No dia da ressurreição o controle de qualidade Divino abrirá os apontamentos dos livros do tempo. Seremos descobertos no além sobre o que fizemos no ²Hoje nosso de cada dia², especialmente com aqueles que não usam “black tie”.
Paradoxalmente, a luz da tese de Jesus, eles são a nossa salvação. Não são eles que precisam de nós, nós é que precisamos deles. Ao “salvá-los”, somos salvos da pior miséria, que é viver só para nós mesmos.
Portanto, numa perspectiva cristã, o homem educado nas etiquetas do Reino vai na conta-mão do mundo. Cada detalhe, cada relacionamento afeta o todo do ²aqui-agora² e transcende para o ²lá-depois². Até mesmo para organizar uma simples festa ou refeição esse homem educado deve aprender a contrariar-se e a contrariar, pois não terá de lutar contra si mesmo, mas também contra todos os que não usam “black tie”.
Pr. Edmilson Tavares

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Serenidade Cristã

Quando o evangelho de Jesus Cristo chega ao mundo, se depara com várias correntes filosóficas e religiosas que tentavam auxiliar o ser humano a lidar com os conflitos da vida.
Dentre as tais se destacava um pensamento chamado estoicismo. O estóico treinava a alma para não expressar emoções, quer negativas ou positivas.
Tal atitude estóica ficou conhecida como “apatia”, a que modernamente chamamos de “homem de gelo”.
Quem, nas questões da vida em alguma época ou lugar, não refletiu por algum momento a dor de existir, ou a noite escura da alma? O estar no mundo tem certa cota do trágico, para muitos viver faz mal à saúde.
A fé cristã não contém uma doutrina somente pós vida com aplicação apenas para a eternidade. Esse cristianismo além-terra, pós existência acima do sol, não  condiz com as Escrituras judaico-cristã, nem com a experiência dos homens e mulheres que andaram com Deus no passado.
A obra de Jesus não foi consumada só na vertical, justificação de pecados, há também os elementos horizontais, Deus não nos salva só do inferno, mas também de nós mesmos.
O cristão sereno, ao contrário do estóico, não é alguém impassível diante da realidade, ele a sente, pressente e ressente como qualquer ser humano, a diferença está na maneira como reage em cada acontecer.
O argumento Paulino para o exercício da serenidade reside num fator teológico fundamental, em cada circunstância vivida, Deus está perto (Filipenses 4:5).
Um Deus presente em cada momento altera o estado de espírito de todo aquele que crê. Para o cristão a equação que rege a vida não é definida pela soma do “eu” mais a circunstância, mas, a soma do “eu”, a circunstância e Deus.
Portanto, o alcance da serenidade é totalmente possível no lado de cá. Se viver gera pressão, viver em Deus gera a descompressão. Quando ele está perto, nós não estamos sós e a vida pode ser vencida através de seu poder.
Pr. Edmilson Tavares